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Onde o mote é a fotografia e... outras eventuais peregrinações.
Barca Bela
Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Oh
pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se
vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que
a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!
Não se enrede a
rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê la,
Oh
pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge
dela
Oh pescador!
Almeida Garrett, Folhas Caídas
Escultura na Foz do Douro de homenagem a Ferreira de Castro
Ainda sabemos cantar,
Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.
Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.
Eugénio de Andrade
Coração Habitado
Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.
Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.
Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.
Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"
Começo a dar-me conta: a mão
que escreve os versos
envelheceu. Deixou de amar as areias
das dunas, as tardes de chuva
miúda, o orvalho matinal
dos cardos. Prefere agora as sílabas
da sua aflição.
Eugénio de Andrade
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