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Onde o mote é a fotografia e... outras eventuais peregrinações.

26
Dez13

Tempo de flores

por Maximiliano

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SE ÀS VEZES DIGO QUE AS FLORES SORRIEM

 

Se às vezes digo que as flores sorriem

E se eu disser que os rios cantam,

Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores

E cantos no correr dos rios...

É porque assim faço mais sentir aos homens falsos

A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes

À sua estupidez de sentidos...

Não concordo comigo mas absolvo-me,

Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza,

Porque há homens que não percebem a sua linguagem,

Por ela não ser linguagem nenhuma.

 

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXXI"

Heterónimo de Fernando Pessoa

 

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publicado às 21:05

20
Nov11

"A invenção do amor"

por Maximiliano

Em todas as esquinas da cidade

nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros

mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e

detergentes

na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém

no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga

um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho do medo da solidão da angústia

um cartaz denuncia que um homem e uma mulher

se encontraram num bar de hotel numa tarde de chuva entre zunidos de conversa

e inventaram o amor com carácter de urgência

(...)

 

Daniel Filipe_Poeta Caboverdiano_1925-1964

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publicado às 20:40

03
Nov11

 

 

Pobres das Flores dos Canteiros

 

 

Pobres das flores dos canteiros dos jardins regulares.

Parecem ter medo da polícia...

Mas tão boas que florescem do mesmo modo

E têm o mesmo sorriso antigo

Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem

Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente

Para ver se elas falavam...


Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXXIII"

Heterónimo de Fernando Pessoa

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publicado às 21:13

26
Out11

Pérgula

por Maximiliano

Ainda sabemos cantar,

Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.

 

Eugénio de Andrade

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publicado às 22:09

19
Out11

As mãos

por Maximiliano

Coração Habitado

 

Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.

Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.

Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.

Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

 

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publicado às 22:15

27
Set11

 

 

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha
biografia,

Não há nada mais simples.

Tem só duas datas --- a da minha nascença e a da minha
morte.

Entre uma e outra todos os dias são meus.

 

Sou fácil de definir.

Vi como um danado.

Amei as coisas sem setimentalidade nenhuma.

Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque
nunca ceguei.

Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento
de ver.

Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes
umas das outras;

Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.

Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas
iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.

Fechei os olhos e dormi.

Além disso fui o único poeta da Natureza.

 

Alberto Caeiro

 

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publicado às 22:25

14
Set11

Á beira de água

por Maximiliano

Á Beira de Água

 

Estive sempre sentado nesta pedra

escutando, por assim dizer, o silêncio.

Ou no lago cair um fiozinho de água.

O lago é o tanque daquela idade

em que não tinha o coração

magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,

dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,

tão feito de privação.) Estou onde

sempre estive: à beira de ser água.

Envelhecendo no rumor da bica

por onde corre apenas o silêncio.

 

Eugénio de Andrade

 

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publicado às 21:43


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